Tokenização Não Substitui o Tradicional

Fala-se até à exaustão de que a tokenização – a representação digital de activos reais numa blockchain – vai revolucionar o mundo financeiro. O Fórum Económico Mundial e muitos outros gurus vendem-nos esta ideia como o futuro inevitável: mais liquidez, transparência absoluta, automatização e acesso democratizado. E não lhes falta razão. A tokenização é, sem dúvida, um avanço formidável que veio para ficar e enriquecer o ecossistema.

Mas neste frenesim de abraçar o novo, corremos um risco perigoso: o de menosprezar a solidez e as virtudes comprovadas pelo tempo dos investimentos financeiros tradicionais. Não se trata de uma escolha binária, mas de uma complementaridade. Enquanto o mundo tokenizado promete um futuro veloz e digital, o mundo tradicional oferece um porto com características insubstituíveis. Estas são as suas vantagens fundamentais.

1. A Solidez do Tangível e do Juridicamente Consolidado

Comprar uma acção de uma blue-chip na bolsa ou um obrigação soberana não é apenas uma transacção digital. Por trás há décadas, por vezes séculos, de enquadramento jurídico, regulação financeira, supervisão de organismos estatais e uma rede de protecção ao investidor que foi sendo aperfeiçoada após cada crise. O que acontece se uma plataforma de tokenização for alvo de hacking? Ou se houver um erro no smart contract? A resposta legal, embora esteja a ser desenvolvida, é ainda um território cinzento.

Os investimentos tradicionais operam num sistema onde a responsabilidade dos intermediários (bancos, corretoras) está claramente definida. Esta rede de segurança, esta "infraestrutura de confiança" construída com tijolos e leis, é um colchão de valor incalculável que a pura codificação não consegue replicar da noite para o dia.

2. A Estabilidade Psicológica e a Ausência de Ruído Tecnológico

O mercado de valores tradicional, com os seus horários, circuit breakers e relativa lentidão, tem uma vantagem oculta: fomenta a paciência e a estratégia a longo prazo. A tokenização, com a sua promessa de liquidez 24/7, pode tornar-se numa arma de dois gumes. Convida à especulação frenética, a reagir a cada flutuação mínima, gerando uma ansiedade prejudicial para o investidor comum.

Para mais, investir no tradicional liberta-nos do fardo tecnológico: não precisamos de perceber de wallets, chaves privadas, redes de blockchain ou gas fees. É uma simplicidade que, para a grande maioria das pessoas que procura assegurar a sua reforma ou poupar para a educação dos filhos, não é uma limitação, mas antes uma bênção.

3. A Valoração por Fundamentos, e não por Hype

Como se valora uma acção? Através da análise dos seus relatórios financeiros, quota de mercado, dívida, perspectivas de crescimento... fundamentos económicos. Como se valora um token de um edifício ou de uma pintura? Embora o activo subjacente seja tangível, o seu valor no mercado tokenizado estará enormemente influenciado pela narrativa, pela comunidade e pela especulação típica dos activos digitais.

Os investimentos tradicionais ancora-nos à realidade económica das empresas e dos países. Oferecem uma métrica mais estável e menos volátil, baseada na geração de riqueza real, e não na percepção do mercado sobre uma tecnologia inovadora.

4. A Diversificação Real para além da Correlação Digital

Uma carteira diversificada clássica contém acções, obrigações, talvez bens imobiliários físicos e matérias-primas. São classes de activos cuja correlação foi estudada durante décadas. A tokenização, pela sua própria natureza, tende a correlacionar-se com o sentimento do mercado de criptoactivos. Num "inverno criptográfico", é provável que a maioria dos tokens, independentemente do seu activo subjacente, sofra colectivamente.

Manter uma base sólida em activos tradicionais proporciona uma diversificação genuína face a choques que afectam especificamente o ecossistema digital e tecnológico.

Um Casamento, e não uma Substituição

A tokenização não vai "acabar" com as finanças tradicionais. Vai coabitar com elas, oferecendo novas opções para quem procura eficiência, inclusividade e novos tipos de activos. Mas o núcleo de qualquer carteira sólida, especialmente para o investidor que prioriza a segurança e a tranquilidade a longo prazo, deverá continuar ancorado nos pilares do sistema tradicional.

O futuro não é a tokenização contra o tradicional. O futuro mais sensato e resiliente é o da tokenização a par do tradicional. Usar a agilidade e a inovação do novo para complementar a solidez e a confiança do antigo. Na sabedoria financeira, como na vida, o equilíbrio entre o progresso e a prudência é a verdadeira chave para o sucesso. Não deitemos fora séculos de experiência pela emoção do novidadeiro. Aproveitemos o melhor dos dois mundos.

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