Certificados de Aforro: segurança ou ineficiência financeira?
A recente notícia de que os portugueses estão com 39,4 mil milhões de € aplicados em certificados de aforro mostra duas realidades simultâneas: por um lado, a prudência e preocupação da população com o risco; por outro, uma clara ineficiência ao nível da gestão financeira e patrimonial. Jornal de Negócios
Ter liquidez — ou seja, disponibilidades imediatas ou quase imediatas — é, sem dúvida, sensato até certo ponto: serve para emergências, oportunidades imprevisíveis ou situações de stress. Mas quando grande parte do património permanece em instrumentos com rendimento muito modesto — ou mesmo abaixo da inflação real — isso revela várias fragilidades:
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O custo da oportunidade
Mesmo certificações de aforro ou depósitos garantidos têm, em muitos casos, remuneração que mal cobre a inflação ou, em termos reais, gera perdas de poder de compra. Como aponta um artigo sobre diversificação: “… os resultados serão sempre garantidamente catastróficos porque nem sequer são suficientes para compensar a inflação”. Doutor Finanças
Ao manter valores elevados em instrumentos ultraconservadores, está-se a sacrificar rendimento real e a renunciar a potenciais ganhos que poderiam reforçar o património com o tempo. -
Falsa sensação de segurança
O “cash” ou instrumentos quase-cash dão conforto psicológico — “o meu dinheiro está à mão” — mas esse conforto pode significar falta de crescimento. Uma carteira eficiente não se compõe apenas de liquidez; exige também alocação em diferentes classes de ativos, com graus de risco e prazo distintos. A diversificação reduz o risco global.
Se tudo estiver em “cash” ou equivalente, o investidor fica exposto a dois riscos principais: (i) a inflação corroendo o valor real da poupança; (ii) não estar posicionado para aproveitar a recuperação ou crescimento de mercados financeiros/investimentos quando surgirem. -
Não aproveitar o “tempo” como aliado
O tempo é um dos condutores mais poderosos do crescimento patrimonial — através da capitalização, reinvestimento, crescimento composto. Quem deixa todo o património em liquidez praticamente abdica desse efeito.
E em Portugal, onde muitos investidores são ainda conservadores ou avessos ao risco, esta falta de alocação para o crescimento torna-se ainda mais evidente. -
Diversificação insuficiente = fragilidade encapotada
Como reforçam vários guias de investimento, diversificar não significa “colocar tudo em instrumentos seguros”, mas “misturar instrumentos com diferentes rendimentos, riscos e prazos”. Doutor Finanças+2XTB.com+2
Uma carteira composta só por liquidez ou instrumentos similares pode parecer segura, mas se por anos o rendimento for baixo ou negativo em termos reais, o efeito será o de uma estagnação patrimonial — se não de retrocesso.
O que fazer: uma proposta de estrategia para profissionais e particulares
Sendo assessor financeiro em Portugal, e tendo como cliente público profissional (nomeadamente engenheiros, independentes, e pequenos empresários), deixo algumas recomendações que considero cruciais:
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Definir a reserva de liquidez
Primeiro, foque-se em que parte do património realmente deve estar em liquidez: normalmente, para imprevistos ou curto prazo (por exemplo, 6 a 12 meses de despesas, ou outro critério de acordo com o perfil). A partir daí, o restante já pode e deve “trabalhar” mais. -
Alocar para diferentes horizontes
Depois de coberta a reserva, divida o restante entre prazo médio e prazo longo. Por exemplo: instrumentos de rendimento moderado com médio prazo (3-5 anos) + instrumentos de crescimento com prazo longo (5-10 anos ou mais). -
Diversificar em classes de ativos e geografias
Não fique apenas em títulos nacionais de rendimento fixo ou certificados de aforro. Considere fundos de investimento, ETFs, obrigações internacionais, ações, imóveis, ou até instrumentos alternativos, segundo perfil. A literacia financeira mostra que investir em diferentes ativos ajuda a reduzir a volatilidade global da carteira. -
Avaliar a inflação e os rendimentos reais
Pergunte-se: “Com este instrumento, ficarei melhor ou pior em termos reais daqui a cinco anos?” Se a resposta for “pior ou igual”, então não compensa manter aí a maior parte do capital. -
Rever regularmente e reajustar
A carteira ideal hoje pode não o ser amanhã. É necessária revisão periódica e, se for o caso, rebalanceamento da alocação. -
Educar para mudar mentalidades
Muitos portugueses mantêm liquidez porque “assim é mais seguro” ou porque os bancos “aconselharam”. Mas como vemos pela notícia em questão, o volume elevado de certificados de aforro mostra que essa mentalidade domina — e isso não é necessariamente ideal. É preciso promover a literacia financeira sobre crescimento patrimonial, diversificação e risco calculado.
A verdadeira eficiência
O facto de estarmos a ver o valor investido em certificados de aforro atingir um novo máximo de 39,4 mil milhões de euros não é, por si só, negativo. Revela que os investidores portugueses buscam segurança. Mas torna-se preocupante quando grande parte das poupanças fica “presas” em instrumentos de baixo rendimento, sem diversificação, sem crescimento, sem preparação para o futuro.
Para profissionais que dependem do seu capital — sejam engenheiros, consultores, empresários — ou para famílias que querem que o seu património evolua, a estratégia de deixar “o dinheiro quieto em cash” deve ser vista como ineficiente. A liquidez é necessária, sem dúvida, mas não é suficiente.
A verdadeira eficiência está em ter liquidez suficiente para o curto prazo, e colocar o restante a trabalhar para o médio e longo prazos, através de diversificação e alocação estratégica. Só assim evitamos que o nosso património “durma” e, em vez disso, cresça de forma sustentável ao longo dos anos.